Utilizada nas missões da Nasa para a análise da composição química das rochas de Marte, a técnica Libs ajuda o produtor em uma análise mais profunda do solo. O resultado é aumento da produtividade com sustentabilidade
Observado há anos, Marte começa aos poucos a ser desvendado graças ao avanço da tecnologia. A boa notícia, como de costume quando se fala da indústria espacial, é que a maioria das inovações de lá acabam chegando à vida cotidiana. Foi assim com as lentes de óculos resistentes a arranhões, e é exatamente o que está acontecendo agora. O robozinho que ilustra esta página, o Perseverance, pousou no Planeta Vermelho no dia 18 de fevereiro deste ano para investigar sua biologia e geologia, assim como a possibilidade do lugar ter sido habitável no passado. O equipamento é uma evolução de uma tecnologia de análise de solo já testada por lá e que, neste momento, está ganhando escala no campo brasileiro.
Trata-se de um pequeno telescópio e um laser de alta potência, que dispara pulsos de laser contra as rochas de Marte e das lavouras do Brasil. “A luz que reflete do material é coletada e analisada”, disse Ivair Gontijo, engenheiro de sistemas do Jet Propulsion Laboratory (JPL), divisão da agência espacial americana. Se em Marte a análise ajuda a descobrir a existência ou não de vida extraterrestre, na agricultura está ajudando os produtores brasileiros em coletar dados que podem ampliar a produtividade no campo de maneira sustentável.
A tecnologia tem nome e apelido. Em inglês foi batizada de Laser-Induced Breakdown Spectroscopy, mas pode chamar simplesmente de Libs. Em português significa espectrometria de emissão óptica com plasma induzido por laser. O termo é complexo, mas o funcionamento da tecnologia é (um pouco) mais simples. Ela consiste na análise química de amostras por meio de um laser pulsado de alta energia, que atinge temperaturas da ordem de 9,7 milºC, equivalentes à da superfície do Sol. Quando o laser interage com a amostra, provoca a explosão do material, gerando um plasma – nuvem com prótons, nêutrons e elétrons livres. Esse plasma emite uma luz característica da composição da matéria, que é analisada por um espectrômetro, permitindo a detecção de elementos químicos como fósforo, ferro, zinco e carbono.
Para atender a demanda de estudo de solo, robô que caminhava no campo foi adaptado em bancada, nomeado como aglibs
No Brasil, a Embrapa Instrumentação começou a pesquisar a técnica nos anos 2000. “Naquela época já nos preocupávamos com as mudanças climáticas e a produção sustentável. Então começamos a testar essa técnica para análises de carbono no solo”, disse Débora Milori, pesquisadora da instituição. Os estudos serviram de base para o Projeto Pecus, lançado em parceria com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que visava quantificar as emissões da pecuária brasileira de forma mais precisa. “Os resultados foram muito legais em laboratório, impulsionando o desenvolvimento de novos modelos ainda melhores, com sistemas mais portáteis e precisos”, disse Débora. Após aprovação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), a Embrapa, em parceria com a Universidade de São Paulo (USP), instalou o sistema Libs em cima de um corpo de metal, apelidado de Robô Mirã I.
NA PRÁTICA O protótipo chamou a atenção do engenheiro agrônomo Fábio Angelis, que trabalhou mais de dez anos em uma multinacional e hoje é o fundador e CEO da Agrorobótica, agtech de análise física e química de solo. “Vi o potencial da Libs em reduzir os impactos ambientais: além de quantificar carbono, poderia substituir o uso de reagentes nos métodos químicos utilizados pelos laboratórios na análise de solo”, disse. Angelis, então, procurou a Embrapa e a pesquisadora Débora, firmando uma parceria para o desenvolvimento da tecnologia que recebeu o nome de Aglibs. A operação comercial teve início no ano passado, com algumas alterações, e começa a ganhar escala. Na empresa, o robô instalado em uma bancada já é capaz de analisar mais de 1 mil amostras de solos diariamente, fornecendo dados de quantidade de carbono orgânico, textura (teores de areia, silte e argila) e pH. De acordo com o empreendedor, a mudança para um robô fixo em vez de móvel foi feita pelo custo-benefício. “Com esse modelo garantimos mais assertividade e eficiência, pois conseguimos digitalizar rapidamente todos os resultados e disponibilizá-los para o produtor via aplicativo”, disse. Com os resultados gerados, a agtech fornece recomendações agronômicas e o produtor pode fazer correções no solo. De acordo com a empresa, com a tecnologia é possível aumentar a produtividade da lavoura em até seis vezes. Além disso, proporciona economia no uso de insumos, já que ao compreender a composição química da terra o produtor faz um manejo mais consciente. O ganho ambiental é duplo: além de reduzir o uso de químicos na lavoura, pode – e deve – ser usada para mensurar e comprovar a quantidade de carbono presente no solo. “O Brasil vai ser o maior mercado de crédito de carbono do mundo”, disse Angelis. E é nesse mercado que ele aposta. Até o momento, a empresa já analisou mais de 80 mil amostras, cobrando R$ 100 por hectare.
Mesmo com benefícios econômicos e ambientais o uso em escala dos robôs é incerto devido ao alto custo e a duração do produto no campo
FUTURO Mesmo com o exemplo de uso prático pela Agrorobótica, a popularização dessa tecnologia, especificamente, e da robótica de maneira geral, ainda enfrenta grandes desafios. O valor pago pelo produtor, de acordo com Mateus Mondin, professor da Esalq-USP, é um deles. “O custo ainda é muito alto , mas considerando o barateamento das tecnologias, vejo grande potencial futuro”, afirmou. Na outra ponta, o pesquisador defende que a rotatividade do produto também pode ser um fator de desinteresse, “já que normalmente é um equipamento de longa durabilidade”, disse.